Escrevo com a gata ao colo. Ultimamente o trabalho, o mestrado, cada um deles parece um gato espojado no meu colo, a bloquear-me os movimentos. Tenho medo de me tornar um bicho trabalhador que conhece fórmulas químicas cabeludas mas não sabe por quanto é que ganharam o Marcelo e o Benfica. Estou fluente na linguagem do não, não posso ir hoje, não tenho folgas, não sei o que é feito deles, não sei onde estava com a cabeça. Gabam-me uma coragem e uma motivação que eu não sei onde meti se alguma vez tive. E pensar que houve um tempo em que ser estudante a tempo inteiro me parecia uma ocupação do caraças, ou quando conjugar trabalho e ginásio já era uma trabalheira. A minha gata tem crises de ansiedade. Foi tirada da rua e nunca se habituou a 100% à nova vida de sofá. O nosso problema com os animais, e também com as pessoas, é achar que estão sempre melhor connosco. Nem sempre isso é verdade. Para nós, um gato na rua é um gato em sofrimento, seria tão mais feliz lá em casa se lhe enfiássemos lacinhos na cabeça e ração de marca no bucho. Mas não, e isso resume-se ao simples facto de que eles não vivem pelos nossos padrões. As pessoas deviam perder mais tempo a pensar nestas coisas e menos tempo inquietas com ninharias. No domingo à tarde uma pessoa conhecida mas não a esse ponto viu-me de camisola de capuz, leggings e sapatilhas, e chegou-se à minha beira a perguntar se tinha ido correr. Porque é assim que mandam as leis que nunca me foram apresentadas, se te vestes de certa maneira é bom que ajas em conformidade. Vou apresenta-la à outra que me disse que devia criar um blogue de moda, sem desconfiar sequer que ando nestas lides. Já dizia o outro que as opiniões são mesmo assim. Mas falávamos de animais. A minha paciência está por um fio no que concerne a aturar tipos bêbados que nem um cacho que vêm esmurrar a porta da farmácia às 3h e meia da manhã, a chamar-me filha desta e mãe da outra porque não vendo zolpidem sem receita médica. Também quero trabalhar 35h por semana. Noto agora que a palavra sapatilhas me sai da boca sem me aperceber, já lá vai o tempo em que estranhava as expressões destas bandas. Às vezes tenho a certeza que sim, vive-se bem é nesta terra onde se usam sapatilhas e se ri de quem diz "à beira de". Depois percorro uns quantos (umas vezes parecem mais, outras menos) quilómetros e percebo que não, o sítio ideal para chamar casa é outro, a casa onde o meu sobrinho trepa ao muro para me dizer adeus e mandar beijos com a mão enquanto o carro se afasta, e me deixa de coração apertado a pensar que raio estou a fazer da vida. Na minha cabeça, faz tudo parte do caminho, e diz-se que todos eles vão dar a Roma. Não me parece mal.
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