O caralho é que tem.
Os clientes têm a mania que têm sempre razão, isso sim. Entram na farmácia de papo cheio, encostam-se ao balcão antes mesmo de serem chamados, não dizem bom dia nem boa tarde, é logo quero uma caixa de não sei o quê. Se por acaso não temos o medicamento do laboratório que querem (têm noção de quantos laboratórios diferentes existem?!) refilam, agem como se a culpa fosse nossa, da pessoa que está ali a atender, e que provavelmente nem é a mesma que trata das encomendas e da gestão de stocks. O medicamento até pode estar esgotado a nível nacional, podemos tentar ligar para não sei quantos fornecedores e todos nos dizerem o mesmo, que em nenhuma plataforma nos arranjam uma caixinha que seja. Pode até ser um medicamento que foi descontinuado, ou que o médico se enganou a receitar porque aquela dosagem já não é comercializada desde os tempos da guerra. Mas não, nós é que somos umas bestas, onde é que já se viu tanta incompetência junta.
Os clientes têm a mania que percebem mais de medicamentos do que nós, escusa de estar para aí a dizer-me para tomar o comprimido em jejum, porque a seguir ao almoço é que isto me cai bem. Têm a mania de se auto-medicar, a si e à família e amigos próximos: olhe que a minha sobrinha neta aqui há três anos teve uma infecção, tomou isto e foi remédio santo, dê-me lá o antibiótico sem receita e deixe-se de fitas.
Os clientes chegam e acham que têm o direito de ser atendidos num período máximo de 2 segundos, mesmo que estejam vinte pessoas à frente. Se tal não acontecer protestam que nunca mais nos despachamos. Mas quando chega a vez deles querem falar sobre o tempo, o jogo do Benfica, que roubalheira caraças, a novela de ontem, a netinha que já toca flauta. Aí já não se preocupam com as pessoas que estão na fila, e ai de quem lhes dê pressa.
Os clientes metem-se nos atendimentos alheios, acham normal mandar palpites, cuscar o que os outros compram. Estão sempre piores do que o vizinho, a eles dói-lhes sempre mais.
Os clientes tecem comentários sobre nós, alto e bom som para toda a farmácia ouvir, que não são próprios ou solicitados. Ou porque é nova e não percebe nada disto, ou porque é velha e já devia estar reformada. Ou porque pintamos as unhas, ou porque devíamos pintar. Ou porque esta nem doutora é, deve ter tirado o diploma de uma caixa de cereais.
Os clientes têm a faca e o queijo na mão; podem ser arrogantes, mal-educados, mesquinhos, com o trunfo de que nunca lhes podemos responder à letra. Ou pelo menos não como nos apeteceria. Ali temos de engolir sapos, fazer um sorriso amarelo, tentar ser politicamente correctos e imparciais, mesmo que por dentro estejamos prestes a rebentar, com vontade de mandar um berro e de os mandar para o caralho em vinte línguas diferentes, aqueles filhos da puta que entram ali a achar que são os reis do pedaço, que podem dizer o que querem e deitar-nos abaixo sem levar resposta. O pior é que podem. Afinal são clientes, têm a razão do lado deles.
Com o tempo vamos aprendendo a digerir isto tudo, a ganhar estofo para lidar com gente estúpida, e a sair de cabeça erguida. Fazer ouvidos de marcador e ignorar é realmente a melhor resposta. Mas há dias em que não é fácil. Ainda não é fácil.
Obviamente, nem todos os clientes são assim. Há os que são simpáticos, os que sorriem, cumprimentam, elogiam, agradecem. E um desses compensa todos os outros.
Falo aqui da farmácia porque é a realidade que conheço, mas acredito que este cenário se estenda a todos os empregos de atendimento ao público.
Não é que eu fosse mal-educada, mas agora dou por mim a ser especialmente simpática para com os empregados, quando entro numa loja, num café, seja onde for. Porque caraças, eu sei o que é estar do outro lado, sei como sabe bem ter um sorriso correspondido, um obrigada e bom dia.
É chato estar numa fila à espera, dar vinte voltas para arranjar estacionamento, apanhar chuva, querer um produto e ele estar esgotado, querer pagar com multibanco e o terminal não estar a funcionar. Pois é, nós também sabemos o que é estar desse lado. Mas são pessoas que estão à vossa frente, não somos máquinas. E não temos culpa de todos os males do mundo.
Olhe, deixe-se de cantigas e passe para cá uma caixa de preservativos Clímax Ultra XXL Morango Agridoce, que a Maria é que sabe. E você escusa de me vir dizer que ela deve tomar em jejum, porque ela toma todo o dia.
ResponderEliminarCaixa de quantas unidades? Olhe que o prazo de validade termina em 2016. Sejamos realistas.
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